Os celtas em guerra
Em nome da
honra, um homem de virtudes se manteria de pé e praticaria atos de bravura. Mas
alguém sem nenhum medo – nem mesmo de terremotos ou ondas, como dizem os celtas
– ultrapassa os limites da bravura e chegam a uma qualidade indesejada sem
definição própria... mais conhecida como insanidade.
- Aristóteles
- Aristóteles
O conceito de guerra
de nossos dias é muito diferente da visão dos povos da Antigüidade. Se hoje a
guerra é vista como algo abominável, nas culturas da Idade do Ferro ela era uma
forma de sobrevivência e ascensão social, uma parte corriqueira do dia-a-dia de
toda uma sociedade.
Entre os celtas, poder-se-ia até mesmo dizer que a guerra era como um esporte - digamos, o futebol moderno. Os melhores guerreiros - os mais fortes, habilidosos e nobres - eram respeitados e admirados, e passavam a ser chamados de os "campeões" tribais. Seu status elevado lhes trazia riquezas e regalias - como costuma acontecer com os maiores futebolistas de nossos dias.
Os celtas
possuíam incontáveis tocadores de trompas e cornetas, criando um ruído
ensurdecedor ao mesmo tempo que os guerreiros celtas soltavam seus horrendos
gritos de guerra a plenos pulmões. Para os legionários romanos aterrorizados,
era como se as próprias colinas ao redor estivessem vivas e
urrando.
- Políbio
- Políbio
Carnyx - reprodução no Hallein-Keltenmuseum
(Salzburgo, Áustria)
Até mesmo as batalhas
em si tinham muito a ver com o futebol moderno: existia uma 'temporada' de
guerras - normalmente na primavera - em que as tribos rivais se enfrentavam em
busca de poder, riqueza e ascendência. Nas guerras inter-tribais - uma constante
na idade do Ferro celta, como nos mostram os relatos clássicos e as lendas - as
hostes se encaminhavam para o local de batalha com seus estandartes, ruidosas
cornetas chamadas carnyx (acima) e gritos de
guerra e, após grandes provocações, partiam para o enfrentamento. Os vencedores
voltavam para casa com seus troféus - as armas dos vencidos, seus tesouros e,
nalguns casos, as cabeças dos melhores inimigos derrotados. Tudo isso pode soar
barbárico a princípio, mas os grandes tumultos nos modernos estádios em dias de
jogos importantes por todo mundo mostram que, exceção feita às cabeças cortadas,
pouco ou nada mudou.
Ou melhor, mudou,
sim: para os celtas a guerra era sagrada. Diversas deidades importantíssimas
estão associadas ao ofício do guerreiro: Morríghan, a "Grande Rainha"; Scathach,
a sensual instrutora nas artes da guerra; Nuada e sua espada; Lugh e sua lança
'inescapável' - todos esses mitos comprovam a sacralidade da guerra para os
celtas.
E, ao contrário do que se pode imaginar, a guerra celta não tinha a função da guerra moderna de aniquilar o inimigo: existia todo um código de honra a ser respeitado em combate - em alguns casos, detectamos até mesmo semelhanças com a nobreza do código de guerra dos admirados e respeitados samurais do Japão feudal.
E, ao contrário do que se pode imaginar, a guerra celta não tinha a função da guerra moderna de aniquilar o inimigo: existia todo um código de honra a ser respeitado em combate - em alguns casos, detectamos até mesmo semelhanças com a nobreza do código de guerra dos admirados e respeitados samurais do Japão feudal.
Era considerado
extremamente desonroso, por exemplo, atacar um inimigo que já estivesse
envolvido em combate com outro guerreiro. Atacar um inimigo pelas costas era um
tabu, e como prova de que para os celtas a guerra não era um surto destrutivo e
aniquilador, muitos combates entre tribos rivais sequer chegavam a ocorrer: por
acordo entre as tribos, por vezes a luta se restringia a um combate individual
entre os dois melhores guerreiros - os campeões tribais: a tribo do vencedor do
combate era declarada a vencedora da guerra como um todo, poupando assim
dezenas, centenas de vidas, sem deixar de satisfazer a função social da guerra.
Essas nobres regras, contudo, não reduziam a capacidade bélica dos guerreiros
celtas.
Quando os romanos e
suas bem treinadas legiões invadiram a Gália, depararam-se com uma resistência
formidável. Por diversas vezes, a disciplina romana não foi páreo para o poderio
bélico dos celtas, que infligiram às legiões pesadas - e por vezes humilhantes -
derrotas. Foi necessário que Roma aprendesse muito com essas derrotas até
desenvolver uma estratégia diferenciada, totalmente adequada ao estilo de
guerrear dos celtas, para que Julio Cesar finalmente pudesse derrotá-los na
Batalha de Alésia. Obviamente, a proverbial desunião das tribos celtas
contribuiu para esse fim.
Antes disso, porém,
como já mencionado antes, os guerreiros celtas eram admirados por suas
habilidades e costumavam ser empregues por outros povos em suas guerras, como
mercenários - é o caso dos gaesatae, lanceiros celtas que lutaram ao lado das
hostes de outros povos - egípcios, gregos e outros.
Estrabão define os
celtas como 'loucos por guerra', mas que são de bom caráter. Já Julio Cesar
registra que os celtas em guerra se mostravam absolutamente destemidos, e
atribui sua força e coragem aos ensinamentos druídicos sobre a eternidade da
alma: sem temer a morte, os guerreiros celtas eram dados a feitos formidáveis -
que, sem dúvida, lhes rendiam a eternidade através das lendas, poemas e canções
que os bardos entoariam pelas gerações seguintes conferindo-lhes, assim, a
imortalidade pela virtude, tão desejada pelos povos indo-europeus.
A coragem
pessoal era algo essencial, e o sucesso nas batalhas era uma fonte vital de
prestígio,
de poder e de seguidores - e também da riqueza material necessária para mantê-los.
- Simon James
de poder e de seguidores - e também da riqueza material necessária para mantê-los.
- Simon James
Essa característica
pode soar, aos nossos ouvidos modernos, um tanto egoísta, mas suas conseqüências
eram interessantes: para preservar seu status e sua posição, os líderes celtas
eram dados a grandes demonstrações de generosidade para com seus súditos. Assim,
em troca do apoio que recebia da tribo, um chefe tribal ofereceria à população
de seus domínios proteção e banquetes – estes, um dos pontos focais da sociedade
celta.
Como visto acima, muitas lendas celtas da Irlanda ecoam os relatos dos escritores clássicos acerca da importância dos banquetes oferecidos pelos chefes celtas da Gália. O poder de um líder era facilmente medido pela riqueza e qualidade do alimento que ele oferecia, e as peças usadas para servir os alimentos - verdadeiras obras de arte - nos dão testemunho da importância dos banquetes como forma de manutenção do prestígio dos nobres e de se fomentar a união da tribo como um todo.
Como visto acima, muitas lendas celtas da Irlanda ecoam os relatos dos escritores clássicos acerca da importância dos banquetes oferecidos pelos chefes celtas da Gália. O poder de um líder era facilmente medido pela riqueza e qualidade do alimento que ele oferecia, e as peças usadas para servir os alimentos - verdadeiras obras de arte - nos dão testemunho da importância dos banquetes como forma de manutenção do prestígio dos nobres e de se fomentar a união da tribo como um todo.
Mas o líder celta –
pouco importa se ‘grande rei’ ou chefe tribal – não governava só: a aconselhá-lo
na paz e na guerra estava sempre a figura do druida.
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