Memórias de um Druida
Capitulo
4
O sol estava se
pondo. A noite vinha caindo e a lua surgia como uma deusa, iluminando o caminho
na densa escuridão da noite. O silencio pairava sobre a aldeia, quando ao fundo
podia se ouvir um som. Uma musica que vinha se aproximando, lentamente, as palavras
ainda eram difíceis de entenderem, mas já era possível ouvir nitidamente o som
dos instrumentos. Tambores fabricados com madeira especialmente escolhida e
recoberto dom couro de javali, flautas feitas de galhos de carvalho que eram
escavados a mão assim como os orifícios para serem produzidas as notas, e de
uma afinação incrível. Bandolins onde as cordas eram feitas de crina de cavalo
especialmente curtidas para que não arrebentasse, o corpo era esculpido numa
peça única de madeira. E o som mais conhecido, e que se tornou característica
da região, a gaita de fole.
A gaita de fole
é um instrumento de sopro formado por um tubo principal feito com um caniço
popular das regiões nórdicas, um saco ou bolsa, produzida com couro de animais
e outros tubos secundários para a saída do ar e do som. Foi criada muito antes
dos celtas, mas aprimorada por eles. É um dos instrumentos mais complexos já
criados e um dos mais antigos. Seu som é único e inconfundível.
O som se
aproximava cada vez mais. Os morados estavam entrando em êxtase. Enfim o som e
o bando responsável pela musica chegaram ao centro da aldeia. Deram uma volta
ao redor da fogueira e da mesa central convidando a todos para se juntarem a
dança. Todos se levantaram e seguiram o grupo dançando e cantando ao redor da
fogueira. Os músicos se acomodaram num canto onde banquinho de troco já estava
esperando eles. Alguns animais se juntaram as pessoas que dançavam, e parecia
que podiam entender o que estava acontecendo. Todos estavam contentes
festejando a chegada do ano novo. Após as danças e canções iniciais, todos se
sentaram, o Ancião se aproximou do altar, todos prestavam atenção nele.
Iria começar a
celebração. O Ancião estava preparando os últimos detalhes. Acendeu as 3 velas
negras, feitas de cera de abelha e carvão mineral, aromatizadas com flores de
jasmim e folhas de carvalho. Encheu o cálice de ferro com agua colhida das
folhas das arvores, arvore pura da chuva. Ajeitou os galhos de visco e as
folhas de carvalho sobre a mesa, apoiou seu cajado ao lado da mesa de pedra.
Ajeitou sua túnica branca, feita de algodão puro, branca como as nuvens. Passou
a mão em sua longa barba branca. A cerimonia estava começando.
Começou a
cerimonia com a tradicional benção celta:
“Que o caminho
venha ao teu encontro. Que o vento sopre sempre às tuas costas, e a chuva caia
suave sobre o teu campo, e até que voltemos a nos encontrar, que Deus te
sustente suavemente na palma de Sua mão. Que vivas todo o tempo que quiseres, e
que sempre vivas plenamente. Lembra sempre de esquecer as coisas que te
entristeceram, e não esqueça de se lembrar das coisas que te alegraram. Lembra
sempre de esquecer os amigos que se revelaram falsos, mas nunca deixes de
lembrar daqueles que permaneceram fiéis. Lembra sempre de esquecer os problemas
que já passaram, mas não deixes de lembrar-se das bênçãos de cada dia. Que o
dia mais triste do teu futuro, não seja pior que o mais feliz do teu passado.
Que o teto nunca caia sobre ti, e que os amigos debaixo dele nunca partam. Que
sempre tenhas palavras cálidas em um anoitecer frio, uma lua cheia em uma noite
escura, e que um caminho se abra sempre à sua porta. Que vivas cem anos, com um
ano extra para arrepender-te. Que o Senhor te guarde em Suas mãos, e não aperte
muito Seus dedos. Que teus vizinhos te respeitem, que os problemas te
abandonem, os anjos te protejam, e o céu te acolha. E que a sorte das colinas
celtas te abrace. Que as bênçãos de São Patrício te contemplem. Que teus bolsos
estejam pesados, e o teu coração leve. Que a boa sorte te persiga, e a cada dia
e cada noite tenhas um muro contra o vento, um teto para a chuva, bebida junto
ao fogo, risadas que consolem aqueles a quem amas, e que teu coração se
preencha com tudo o que desejas. Que Deus esteja contigo e te abençoe, que
vejas os filhos dos teus filhos, que o infortúnio te seja breve e que te deixe
cheio de bênçãos. Que não conheças nada além da felicidade deste dia em diante.
Que Deus te conceda muitos anos de vida. Com certeza Ele sabe que a Terra não
tem anjos suficientes. E assim seja a cada ano, para sempre!”
A musica voltou
a tocar calmamente. Todos se levantaram e prepararam seus pedidos de ano novo.
Os pedidos devem ser escritos numa folha de carvalho. O caldeirão estava
fervendo sob o fogo. Todos estavam em fila se dirigindo ao caldeirão para
depositarem seus pedidos para que sejam levados pelo deus mensageiro do vento,
e sejam atendidos pelos outros deuses. Após depositarem seus pedidos, devem
queimar no fogo um pergaminho com suas frustrações e tristezas vividas no ano
que se passou, para que sejam levadas as entranhas da terra e que sejam
esquecidas nas profundezas da arvore mãe. Owen estava muito feliz e festejando
com todos seus amigos e conhecidos. Mas a meia noite estava se aproximando e o
véu entre os dois mundos estava se rompendo.
A lua brilhava
mais forte, iluminado toda a aldeia, estava no ponto mais lato do céu. O fogo
queimava intensamente produzindo sombras dos que dançavam ao seu redor. O céu
estava estrelado, nenhuma nuvem podia ser avistada. Todos estavam
despreocupados, cantando e dançando, celebrando o ano que se iniciava. Quando chegou
a hora que todos esperavam. Não tinham relógios, mas todos podiam sentir quando
o véu caia, e as almas caminhavam sobre a terra. Foi quando sentiram um tremor
e puderam ouvir o que eles descreveriam como, o pior som já ouvido no mundo. Um
estrondo gigantesco, como se a terra gritasse, vindo das profundezas, um som
tão horrível e assustador que todos entraram em pânico. Uma rajada de vento
muito forte apagou a fogueira, virou o altar de pedra espalhando tudo pelo chão.
Os enfeites foram arrancados com uma força descomunal, as arvores balançavam
ameaçadoramente. Todos estavam assustados correndo e tentando se abrigar. Todos
menos uma pessoa, o jovem Owen.
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